VICENTE FERREIRA PASTINHA
“MESTRE PASTINHA O GUARDIÃO DA CAPOEIRA ANGOLA”
Vicente Ferreira Pastinha nasceu em cinco de abril de 1889. Fruto da união entre um espanhol, José Señor Pastinha e de uma baiana, Eugênia Maria de Carvalho, nasceu na Rua do Tijolo em Salvador, Bahia.
Seu pai era um comerciante, dono de um pequeno armazém no centro histórico de Salvador e sua mãe ,com a qual ele teve pouco contato ,era uma negra natural de Santo Amaro da Purificação e que vivia de vender acarajé e de lavar roupas. Viveu uma infância feliz, porém, modesta. Durante as manhãs freqüentava aulas no Liceu de Artes e Ofício, onde também aprendeu pintura. À tarde, empinava arraia e jogava capoeira. Com 13 anos era o mais respeitado e temido do bairro. Mais tarde, foi matriculado por seu pai na Escola de Aprendizes de Marinheiro (onde passou 8 anos) que não concordava muito com a prática da capoeira pois achava que era muita vadiagem, porém ainda na marinha já ensinava capoeira seus companheiros de farda, na Marinha
"Aos doze anos, em 1902, eu fui para a Escola de Aprendiz de Marinheiro. Lá ensinei Capoeira para os colegas. Todos me chamavam de 110. Saí da Marinha com 20 anos (...). Vida dura, difícil. Por causa de coisas de gente moça e pobre, tive algumas vezes a Polícia em cima de mim. Barulho de rua, presepada. Quando tentavam me pegar eu lembrava de mestre Benedito e me defendia. Eles sabiam que eu jogava Capoeira, então queriam me desmoralizar na frente do povo. Por isso, bati alguma vez em polícia desabusado, mas por defesa de minha moral e de meu corpo(...). Naquele tempo, de 1910 a 1920, o jogo era livre.
'Passei a tomar conta de uma casa de jogo. Para manter a ordem. Mas, mesmo sendo capoeirista, eu não me descuidava de um facãozinho de doze polegadas e de dois cortes que sempre trazia comigo. Jogador profissional daquele tempo andava sempre armado. Assim, quem estava no meio deles sem nenhuma arma bancava o besta. Vi muita arruaça, algum sangue, mas não gosto de contar casos de briga minha. Bem, mas só trabalhava quando minha arte negava sustento. Além do jogo trabalhei de engraxate, vendia gazeta, fiz garimpo, ajudei a construir o porto de Salvador. Tudo passageiro, sempre quis viver de minha arte. Minha arte é ser pintor, artista (...)."
Quando completou 21 anos voltou para Salvador, decidido a se dedicar à pintura que era uma de suas profissões. Mestre Pastinha também foi jogador de futebol, chegando a treinar na equipe do Ypiranga, seu time de coração. Foi engraxate, vendeu jornais, praticou esgrima, ajudou a construir o Porto de Salvador, foi alfaiate, fez garimpo e também tomou conta de casa de jogos, ocupando o cargo de “leão de chácara”, onde seu dever era manter a ordem no recinto. Nos horários de folga (dias santos, feriados e domingos) praticava capoeira às escondidas, pois no início do século esta luta era crime prevista por Lei.
Segundo as palavras do próprio mestre que dizia ter aprendido a capoeira com a sorte...
"Quando eu tinha uns dez anos - eu era franzininho - um outro menino mais taludo do que eu tornou-se meu rival. Era só eu sair para a rua - ir na venda fazer compra, por exemplo - e a gente se pegava em briga.
Só sei que acabava apanhando dele, sempre”. Um dia, da janela de sua casa, um velho africano de nome Benedito, que sempre assistia as lutas de pastinha disse: “Vem cá, meu filho. Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade. O tempo que você perde empinando raia vem aqui no meu cazuá que vou lhe ensinar coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui".
Além das técnicas, muito mais lhe foi ensinado por Benedito, o africano seu professor.
"Ele costumava dizer: não provoque, menino, vai botando devagarinho ele sabedor do que você sabe (…). Na última vez que o menino me atacou fiz ele sabedor com um só golpe do que eu era capaz. E acabou-se meu rival, o menino ficou até meu amigo de admiração e respeito."
E assim o mestre deu inicio a arte que mais tarde o tornaria o maior de todos representantes e defensor da Capoeira Angola, o que lhe rendeu o titulo de “Guardião da Capoeira Angola”e também “Filosofo da Capoeira”. Mestre Pastinha foi um dos maiores Mestres da Bahia, sendo hoje o principal referencial quando se fala de Capoeira Angola no Brasil e no mundo.
Mas no decorrer de sua vida o mestre também teve suas situações....reais, por assim dizer dentro e fora da roda da capoeira como certa vez em que teve uma contenda com o famoso Pedro Porreta e em outra ocasião já dentro da roda de capoeira um fato isolado e ate que acidental com um certo Velocidade, onde o mestre da uma aula de humildade e sabedoria que só um verdadeiro mestre poderia :
Mestre Pastinha e a contenda com Pedro Porreta:
Mestre Pastinha defrontou-se com o perigoso capoeirista Pedro Porreta, que marcou época na Bahia pela sua maneira agressiva de proceder e pelas inúmeras desordens que praticava, chegando a enfrentar o famoso chefe do Esquadrão da Cavalaria, Pedro Azevedo Gordilho, mais conhecido como "Pedrito". Eis a história da luta: "Tudo começou quando Pedro Porreta foi morar em um barraco perto da Rua das Laranjeiras, onde o Mestre Pastinha possuía uma quitanda. O Mestre Pastinha tinha ido à feira buscar bananas. Deixou sua mulher tomando conta da quitanda quando entrou Pedro Porreta, que não sabia que a mesma pertencia ao Mestre. Ao entrar, pediu meia dúzia de bananas. 'Não temos, o meu marido foi buscar ainda agora, na feira', respondeu-lhe a mulher do Mestre. Pedro Porreta já ia saindo quando avistou quatro bananas em cima do balcão. Virou-se e indagou: 'E estas quatro bananas que estão aí, para quem são?' 'São para os bichinhos!', disse a mulher do Mestre, apontando para uma gaiola com dois pássaros. Pedro Porreta avançou, pegou as bananas e saiu dizendo: 'Os bichinhos sou eu!' Ao voltar da feira, assim que entrou na quitanda e estava colocando o pesado cesto de bananas no chão, sua mulher foi lhe contando o sucedido. Ao terminar de ouvir o relato, o mestre saiu imediatamente à procura do desconhecido. Ao chegar à rua, encontrou um amigo seu, que a tudo assistira, revelando a identidade e o endereço do indivíduo. O Mestre agradeceu e dirigiu-se à casa de Pedro Porreta encontrando-o na porta. Pedro Porreta, não suspeitando de que ele fosse o dono da quitanda, cumprimentou-o amistosamente: 'Como vai Mestre? O que deseja?' Ao saber que ele era proprietário da quitanda e vinha disposto a obter uma explicação pelo que acontecera, abriu a porta, soltou uma gargalhada e apontou para as bananas que estavam dentro de uma panela cozinhando. Pastinha, notando a expressão zombeteira de Pedro Porreta, virou-se para ele e disse: 'Pedro, eu vou levar as bananas assim mesmo, só por causa do seu desaforo de invadir minha quitanda sem a minha presença e zombar da minha mulher.' Ao ouvir isto, Pedro Porreta dirigiu-se ao meio da rua e desafiou-o para lutar. Mestre Pastinha aceitou o desafio e a briga prolongou-se por vários minutos, sem que ninguém tivesse a coragem de apartá-los, só terminando com uma violenta cabeçada do Mestre Pastinha, atirando-o longe, estendido junto ao passeio. Neste momento, aproximou-se um senhor que morava nas proximidades e, depois de inteirar-se do motivo da briga, prontificou-se a pagar a despesa, contanto que encerrassem aquele assunto. O Mestre Pastinha não aceitou o dinheiro do tal senhor, dizendo-lhe: 'Meu amigo, eu agradeço a sua gentileza, mas o que motivou a minha briga com o Pedro não foi o dinheiro da despesa com as quatro bananas, e sim, a maneira como ele procedeu.' Dizendo isto, retirou-se para a sua quitanda e Pedro Porreta mudou-se de seu barraco, no dia seguinte.
" Mestre Pastinha e Velocidade:"
Certo dia, no ano de 1935, estando o Mestre Pastinha a jogar Capoeira na Rua do Bigode, onde funcionou a sua segunda Escola de Capoeira, com um capoeirista conhecido por Velocidade, tal era a sua rapidez nos movimentos da Capoeira, recebeu um golpe tão violento no rosto que o fez dormir em pé durante alguns segundos. Quando recuperou os sentidos, pensou que se tratasse de uma pedrada partida da assistência. Estava ainda a olhar para os lados para ver se localizava o causador da pancada, quando Velocidade se aproximou-se e disse-lhe: 'Desculpe Pastinha!' Só aí ele percebeu que não fora pedrada e, sim, um golpe desferido pelo seu camarada. Virou-se então para ele e falou: 'Menino, eu brincando sem maldade e você me aplica um golpe com toda esta violência.' Acabando de dizer estas palavras, tornou a dormir por mais alguns segundos. Quando se recuperou totalmente, dirigiu-se à bateria e ordenou que continuassem o jogo interrompido. Prosseguiu então o jogo com o entusiasmo dos assistentes que esperavam e desejavam que o Mestre aplicasse uma surra no seu desleal camarada que numa brincadeira entre amigos fizera aquela desfeita com o Mestre e o público ali presente. A certa altura do jogo, o Mestre, com um floreio, deixou seu adversário à sua mercê, com o pé parado junto ao seu rosto, mostrando a todos os presentes e ao próprio Velocidade a sua superioridade. Ainda assim, os assistentes se revoltaram com o Mestre Pastinha por ele não ter chutado o rosto do seu camarada. Depois de terminada a 'brincadeira' Mestre Pastinha calmamente dirigiu a palavra aos presentes: 'Se eu fizesse o que desejavam vocês agora seriam os primeiros a me condenar, alegando a minha condição de Mestre.' Todos concordaram com o que foi dito e o Mestre Pastinha ficou ainda mais admirado e respeitado no local."
A respeito de seu camarada “desleal”,não mais apareceu nas rodas de capoeira e ninguém dava noticia de sua pessoa.
Muitos anos depois,quando Mestre Pastinha encontrava-se lecionando em sua escola de Capoeira, Velocidade apareceu de surpresa e, após cumprimentar o mestre sentou-se para tocar berimbau.Mestre Pastinha ordenou que parassem a bateria e apresentou-o aos discípulos “Meninos!, Este ai é o famoso Velocidade, de quem sempre falo, o único capoeirista que conseguiu me acertar.” Velocidade levantou-se, abraçou o mestre e repetiu a s mesmas palavras de anos atrás: “Desculpe Pastinha!” Dizendo isto retirou-se da escola, desaparecendo novamente para nunca mais voltar.
Outro que diziam ser desafeto de mestre Pastinha , era mestre Caiçara, segundo dizem, Mestres Pastinha e Caiçara não se davam bem, porque mestre Caiçara teria sido cortado da comitiva que fez a viajem a Africa, ele teria ate comprado o terno....e ele mestre Caiçara atribuia este corte a Mestre pastinha, tanto que Mestre Caiçara quando via mestre Pastinha passar gritava "la vai o Valentão " e Pastinha usando a sabedoria e frieza de um verdadeiro Mestre nada o respondia!!
Em 1941 (já afastado a quase 20 anos da capoeira) Mestre Pastinha é convidado pelo seu antigo aluno Aberrê a assisti-lo numa roda no bairro da Gengibirra, onde segundo o mestre, era um ponto de encontro dos maiores mestres de capoeira da Bahia. “Lá só havia mestre, não tinha alunos” – dizia Pastinha. Aberrê disse que perguntaram quem tinha sido seu mestre e ele dizendo o nome de Pastinha mandaram chamá-lo ao qual Aberrê imediatamente o fez. Ao chegar à roda, Pastinha foi apresentado para um mestre conhecido como “Amorzinho”, um guarda civil que tomava conta da roda e imediatamente entregou o berimbau e a responsabilidade para o mestre.
"Na roda só tinha mestre. O mais mestre dos mestres era Amorzinho, um guarda civil. No apertar da mão me ofereceu tomar conta de uma academia. Eu dei uma negativa, mas os mestres todos insistiram. Confirmavam que eu era o melhor para dirigir a Academia e conservar pelo tempo a Capoeira de Angola.”
-Tem jeito não, Pastinha... É você mesmo que vai tomar conta disso aqui...
As palavras de Totonho de Maré soaram como um decreto. Reforçaram o insistente convite de mestre Amorzinho, dono da capoeiragem, o qual cumprimentou Pastinha com forte aperto de mão, seguido da surpreendente proposta.
- Há muito que eu esperava para lhe entregar essa capoeira para o senhor mestrar...
Eram mestres da antiga Gengibirra, ponto de encontro dos maiores capoeiristas de Salvador nas primeiras décadas do século passado. Amorzinho, Maré, Noronha, Aberrê, Livino e tantos outros reconheceram à sua frente um homem de avançada sabedoria, capaz de conduzir os destinos da capoeira angola, tirando-a da marginalidade. “Eles viram em Pastinha um sujeito de visão”, eram os primeiros passos da primeira academia.
Estavam lançadas as sementes do que seria a primeira Escola de Capoeira Angola. Foi fundado então em 23 de fevereiro de 1941 o CECA, Centro Esportivo de Capoeira Angola, nome dado pelo próprio mestre, localizado no Largo do Cruzeiro de São Francisco. Após a morte de Amorzinho, em 1943, o centro foi abandonado por todos os mestres, mas mesmo assim Pastinha continuou.
Em fevereiro de 1944 há uma reorganização e em 23 de março do mesmo ano vão para o Centro Operário da Bahia.
Em 1949, num domingo Pastinha foi convidado por dois camaradas para ver um terreno na fábrica de sabonetes Sicool no Bigode, onde recebeu o apoio e auxilio dos moradores. O centro ali se instalou e foram feitas as primeiras camisas em preto e amarelo, cores inspiradas no Clube Atlético Ypiranga. Uma das curiosidades dessa época é que Mestre Pastinha, avaliando cada um dos seus alunos, fazia um desenho na camisa, conforme os seus movimentos mais característico
Em 1° de outubro de 1952 o CECA foi oficializado. Como vemos no artigo original abaixo:
“O Centro Esportivo de Capoeira Angola, fundado a 1° de Outubro de 1952, com sede na cidade de Salvador, Estado da Bahia, é constituído de número limitado de sócios, tem a finalidade de ensinar, difundir e desenvolver teórica e praticamente a capoeira de estilo genuinamente “Angola”, que nos foi legada pelos primitivos africanos aportados aqui na Bahia de Todos os Santos.”
Em maio de 1955, o CECA muda de endereço e vai para o Largo do Pelourinho n° 19, onde permaneceu por 16 anos. Durante esse tempo Mestre Pastinha ficou muito conhecido chegando a ser entrevistado por jornais e revistas importantes da época. Sua academia recebia visitas ilustres como, Jorge Amado, o ilustrador Carybé, o filósofo Jean Paulo Sartre, o ator Jean Paul Belmondo, além de turistas de todo o Brasil.
Em cinco de julho de 1957, Mestre Pastinha apresenta a capoeira angola com seus alunos no festival Bahiarte, na Lagoa do Abaeté onde ocorre o seu primeiro encontro com Mestre Bimba. Os dois demonstraram passividade e respeito um pelo outro, deixando transparecer que a rivalidade entre os angoleiros e regionais, era criada pelos alunos e não pelos Mestres. O CECA ainda foi apresentado em vários outros estados, como, Pernambuco, Minas-Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.
Em 1964 o Mestre publica o seu livro intitulado “Capoeira Angola”, onde o escritor Jorge Amado teve o descreve da seguinte forma:
“... mestre da Capoeira de Angola e da cordialidade baiana, ser de alta civilização, homem do povo com toda a sua picardia, é um dos seus ilustres, um dos seus abas, de seus chefes. É o primeiro em sua arte. Senhor da agilidade e da coragem, da lealdade e da convivência fraternal. Em sua escola no pelourinho, Mestre Pastinha constrói cultura brasileira, da mais real e da melhor...”
Além do livro, o mestre gravou também um disco com cinco faixas. O disco intitulado “Pastinha Eternamente”, conta com depoimentos na voz do próprio mestre e músicas de capoeira, cantadas por Mestre Traíra
Em abril de 1966, integrou a delegação brasileira no 1° Festival de Artes Negras, no Senegal, Dakar na África, onde recebe várias homenagens e confirma que na África não existe qualquer coisa que se pareça com a nossa capoeira. Com todo esse destaque Mestre Pastinha começa a receber o apoio de várias instituições governamentais até que em 1971 o destino lhe pregaria uma grande peça.
Em 1971 já no alto de seus oitenta e dois anos de idade, Pastinha já quase cego devido a catarata, é obrigado pela prefeitura a se retirar do casarão, que entraria em reformas, com a promessa de que assim que estivesse pronto poderia voltar. O que nunca aconteceu
Mestre Pastinha teve então que se mudar. Foi morar na Rua Alfredo Brito n° 14 no Pelourinho, em um quarto escuro, úmido e sem janelas. Único lugar que dava para pagar com o mísero salário que recebia da prefeitura, já que não podia contar mais com o dinheiro das aulas. Ainda na mudança, foram perdidos muitos móveis, quadros que o mestre pintava e fotografias.
Posteriormente o prédio foi doado para o Patrimônio Histórico da Fundação do Pelourinho que em seguida o vendeu para o SENAC que transformou o prédio em um restaurante.
O Mestre Pastinha foi usado, enganado e abandonado (típico de nosso sistema).
Após a mudança e a perda de sua academia, Pastinha entra em profunda depressão e em 1979 com 90 anos é vítima de um derrame cerebral, que o levou a ficar internado por um ano em um hospital público. Após esse período foi enviado para o abrigo para idosos Dom Pedro II, onde permaneceu até a sua morte. Mestre Pastinha morreu cego, quase paralítico e abandonado.
No dia 13 de novembro de 1981, aos 92 anos, o Brasil perdia um dos seus maiores mestres. Não só o mestre da capoeira angola, mas o mestre da filosofia popular. O menino fraco e magrinho que conquistou o respeito e admiração do mais forte.
Mestre Pastinha foi um dos maiores ícones da cultura do Brasil. Dedicou sua vida inteira em favor da nossa cultura, ajudou a tirar a capoeira da ilegalidade e a colocá-la no seu devido lugar como prática esportiva e cultural, preservou e divulgou a nossa arte até fora do país, ensinou jovens e adultos a enxergar a vida de uma forma simples, mas nobre. Mestre Pastinha foi uma estrela que veio para a terra em forma de homem, para nos ensinar a filosofia da simplicidade, mas teve que voltar ao céu, pois o seu brilho já não cabia mais aqui em um lugar tão pequeno. Um homem que transformou e formou crianças em grandes adultos e fez os mais velhos brincarem como crianças, literalmente de pernas pro ar.
Mestre João Pequeno (in memorian), reabri o CECA um ano depois da morte de Pastinha, no Forte de Santo Antônio do Carmo e Mestre João Grande, que reside em Nova York desde 1990, onde ensina capoeira para pessoas do mundo todo.
O Mestre Pastinha era considerado por muitos um grande pensador e ate mesmo um grande filosofo da capoeira como um todo, era muito estimado por Jorge Amado, Caetano, Carybé, Pierre Verger entre outros famosos. Sobre mestre Pastinha Jorge Amado disse em uma de suas obras o seguinte:
“Privei com alguns dos mestres, dos verdadeiros, do universo da ciência, das letras, das artes. Picasso, Sartre, Joliot, meu privilégio foi tê-los conhecido. Não menor o apanágio de ter merecido a amizade dos criadores da cultura popular da Bahia(...), de acompanhar Pastinha até a última roda de capoeira angola”. Depois, em Bahia Boa Terra Bahia, parceria com Flávio Dan, volta a aclamá-lo, dessa vez em prosa quase lírica:
“De repente um salto, uma volta sobre si mesmo, o pé solto no ar, o corpo leve, um passo de balé, cadê o adversário? Quem teve a aventura de ver mestre Pastinha na roda da capoeira, quem assistiu ao maravilhoso espetáculo de sua luta, quem o viu diante dos berimbaus a comandar seus alunos, teve o privilégio de conhecer o capoeirista perfeito, o primeiro, sem segundo”.
Frases de Mestre Pastinha
“Eu me chamo Vicente Ferreira Pastinha. Eu nasci pra capoeira, só deixo a capoeira quando eu morrer. Eu amo o jogo da capoeira. E não há outra coisa melhor na minha vida do que a capoeira.”
“Eu sou um dos exemplos do passado. Aqui tem muitos veteranos, velhos mesmo, capoeirista veterano, mais idoso do que eu. Menino das meninas dos meus olhos... Capoeirista.”
"Ninguém pode mostrar tudo o que tem às entregas e revelações. Têm que ser feito aos poucos. Isso serve na capoeira, na família e na vida. Há momentos em que não podem ser divididos com ninguém e nestes momentos existem segredos que não podem ser contados à todas as pessoas".
“Capoeira é muito mais do que uma luta, capoeira é ritmo, é música, é malandragem, é poesia, é um jogo, é religião. (...) A capoeira é tudo que a boca come”.
“Pratico a verdadeira Capoeira Angola e aqui os homens aprendem a ser leais e justos. A lei de Angola que herdei de meus avós é a lei da lealdade. A Capoeira Angola, a que aprendi, não deixei mudar aqui na Academia. Os meus discípulos zelam por mim. Os olhos deles agora são os meus.”
“O que eu gosto de lembrar sempre é que a capoeira apareceu no Brasil como luta contra a escravidão. Nas músicas que ficaram até hoje se percebe isso. Entenda quem quiser, está tudo ai nesses versos o que a gente guardou daqueles tempos.”
“Mas o que serve para a defesa também serve para o ataque. A Capoeira é tão agressiva quanto perigosa. Por causa de coisas de gente moça e pobre, tive algumas vezes a polícia em cima de mim. Barulho de rua, presepada. Quando tentavam me pegar, eu me lembrava do Mestre Benedito e me defendia. Eles sabiam que eu jogava capoeira e queriam me desmoralizar na frente do povo. Por isso, bati alguma vez em polícia desabusado, mas por defesa de minha moral e do meu corpo.”
“Quem não sabe lutar é sempre apanhado desprevenido. Agora que o ritmo está mais apressado, sinto a agilidade desses dois homens e imagino raiva, medo, despeito, desespero empurrando esses pés... uma vez vi um capoeirista afugentar uma patrulha inteira.”
“Não se pode esquecer do berimbau. Berimbau é o primitivo mestre. Ensina pelo som. Dá vibração e ginga ao corpo da gente. o Conjunto de percussão com o berimbau não é arranjo moderno, não, é coisa dos princípios. Bom capoeirista, além de jogar, deve saber tocar berimbau e cantar.”
“Meus meninos são diplomados. Saem daqui da Academia sabendo tudo. Sabendo que a luta é muito maliciosa e cheia de manhas, que a gente tem de ter calma. Que não é uma luta atacante, ela espera.
Capoeirista nunca dizia a ninguém que lutava. Era homem astuto e ardiloso, como a própria luta, que se disfarçou com a dança para sobreviver depois que chegou de Angola. Capoeirista é mesmo muito disfarçado. Contra a força só isso mesmo. Está certo.”
“O Capoeirista é um curioso, tem mentalidade para muita coisa, sabendo aproveitar de tudo o que o ambiente lhe pode proporcionar. E a Capoeira Angola só pode ser ensinada sem forçar a naturalidade da pessoa. O negócio é aproveitar os gestos livres e próprios de cada um.”
“Ninguém luta do meu jeito, mas no deles há toda a sabedoria que aprendi. Cada um é cada um.”
“E jogar precisa ser jogado sem sujar a roupa, sem tocar o corpo no chão. Quando eu jogo, até pensam que o velho está bêbado, porque fico todo mole desengonçado, parecendo que vou cair. Mas ninguém ainda me botou no chão, nem vai botar.”
“Os negros usavam a capoeira para defender a sua liberdade. No entanto, malandros e gente infeliz descobriram nesses golpes um jeito de assaltar os outros, vingar-se de inimigos e enfrentar a polícia. Foi um tempo triste da capoeira.”
“Eu conheci, eu vi. Nas bandas das docas... luta violenta, ninguém a pôde conter. Eu sei que tudo isso é mancha suja na história da Capoeira, mas um revólver tem culpa dos crimes que pratica? E a faca? E os canhões? E as bombas? A capoeira angola parece uma dança, mas não é não. Pode matar, já matou. Bonita! Na beleza está contida sua violência.”
"Capoeirista não é aquele que sabe movimentar o corpo, e sim aquele que se deixa movimentar pela alma".
“Tudo o que penso da capoeira está naquele quadro que está na porta da academia. Em cima só estar três palavras:”
“Angola, capoeira, mãe. E embaixo, o pensamento: ‘Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista”.
Abaixo uma reportagem do jornal "A TARDE" sobre o Mestre Pastinha em 05 de Maio de 1979 (02 anos antes do seu falecimento).
Mestre Pastinha tenta reviver, na miséria, o seu passado de glórias
A Academia de Capoeira de Vicente Ferreira Pastinha ou Pastinha, um dos capoeiristas mais conhecidos do país, está reaberta desde Fevereiro. Pouca gente sabe, no entanto, tomou conhecimento do fato, pois até o momento não foi divulgado que no número 51 da Rua Gregório de Matos, no Pelourinho, antigos alunos da capoeirista se reúnem ás terças, quintas e domingos, a partir das 17 horas, para cantar e jogar capoeira.
Junto com Mestre Pastinha, nos seus 90 anos, cantam e jogam capoeira a sua mulher Maria Romélia, João Grande,João Pequeno, Ângelo Romero, Valdino e Papa Amarelo, os alunos mais velhos do mestre. "Mas a academia ainda não tem alunos, porque todo mundo que aparece só quer ter aula de graça, promessas tem muitas". Se queixa Maria Amélia.
ABANDONADO
Mestre Pastinha está muito doente, passa os dias deitado em um banco no corredor do prédio nº 14, no Pelourinho, onde ocupa dois pequenos cômodos, sujos e escuros. Pouco fala quando está acordado e sua mulher é quem faz todas as queixas. A academia, que funcionava anteriormente no prédio onde está instalado o SENAC, no Pelourinho, foi fechada quando se iniciaram as obras de recuperação do conjunto arquitetônico. Segundo Maria Romélia, todo o material da academia desapareceu e não adiantou ir á Fundação do Patrimônio do Pelourinho para saber do paradeiro. Daquela época até os dias de hoje, o abandono e a exploração acompanharam o Mestre Pastinha, como fica claro nas palavras de sua mulher:
- A gente só recebe promessas, de muitos amigos, escritores, jornalistas que vêm aqui, mas dinheiro que é bom a gente não consegue nenhum", Maria Romélia diz estar cansada de tanto ver a exploração do Mestre Pastinha. Segundo ela, muitos livros foram escritos, reportagens feitas, filmes e apesar disso não renderam nenhuma compensação financeira para eles. Ela chega a fazer um apelo:
- Não façam shows dizendo que a renda é em benefício dele porque a gente não vê este dinheiro. Eu peço também que não usem mais o nome de Pastinha em músicas e apresentações, porque depois ele não tem direito a nada.
FAMOSO E POBRE
Na verdade, a fama conseguida através dos anos nada trouxe de bom para os dias finais do Mestre Pastinha. "Vêm fotógrafos aqui, tiram fotos dele e vendem por 700 cruzeiros", diz Maria Romélia. Enquanto isso, o casal sobrevive com uma subvenção conseguida no primeiro governo de Antônio Carlos Magalhães e do dinheiro que Maria Romélia consegue com a venda de acarajés, quando pode, na porta do Hotel Pelourinho.
A doença do Mestre Pastinha é a velhice, está cego e não joga mais capoeira, por causa disto. Quando tem dinheiro, segundo Maria Romélia, ela chama um médico e compra remédios, quando não tem ela pede e consegue alguma coisa. Mas acha que ninguém tem obrigação de dar nada de graça, assim como o Mestre Pastinha, não tem obrigação, também, de ensinar de graça.
Há algum tempo a Philips gravou um disco de capoeira, com o Mestre Pastinha. Agora Maria Romélia está tentando conseguir dinheiro para uma passagem de ida e volta ao Rio de Janeiro, onde tentará regravar o disco. "Ou se pelo menos, um banco desses financiasse a regravação ou lançamento de um livro seria bom."
Livro este que poderia contar a vida deste ex-funcionário civil da Marinha, ex-pintor de paredes, ex-bicheiro, ex-desordeiro, ex-vendedor ambulante, e ex-leão-de-chácara de casa de jogo, de quem, há muito tempo já se previu um destino triste: "Vai morrer pobre, doente, mas famoso".
Enquanto durou sua primeira academia, o Centro Esportivo de Angola, o Mestre Pastinha formou mais de 10 mil alunos e desde o seu fechamento acalentou o sonho da reabertura da Escola de Capoeira. Nascido na Bahia, em Salvador, Mestre Pastinha começou seu destino de mestre aprendendo a lutar no canzua do Mestre Benedito, na Rua das Laranjeiras. Estava começando a cumprir a predestinação de sua vida, que, segundo ele mesmo, era a de lutar capoeira.
O Mestre Pastinha faleceu em 13 de Novembro de 1981, pobre, doente e famoso.
É meus amigos, como pudemos observar a história de Mestre Pastinha, assim como de muitos outros Mestres vai da gloria ao fundo do poço e como o artigo acima mesmo diz “Famoso, Pobre e Doente” assim foi o fim de sua vida. Muito ainda podemos falar do venerado Mestre, mas é fato que ele (Pastinha) lutou para manter uma capoeira tradicional. a intelectualidade baiana teve um importante papel na defesa da capoeira de raiz, como demonstra o firme posicionamento de Jorge Amado em suas observações. Além de antigos mestres Samuel Querido de Deus, Traíra e Najé, Jorge Amado faz um profundo elogio de Mestre Vicente Ferreira Pastinha (1889-1981):
"Mestre Pastinha tem mais de setenta anos. É um mulato pequeno, de assombrosa agilidade, de resistência incomum. Quando ele começa a 'brincar', a impressão dos assistentes é que aquele pobre velho, carapinha branca, cairá em dois minutos, derrubado pelo jovem adversário ou bem pela falta de fôlego. Mas, ah! Ledo e cego engano!, nada disso se passa. Os adversários sucedem-se, um jovem, outro jovem, mais outro jovem, discípulos ou colegas de Pastinha, e ele os vence a todos e jamais se cansa, jamais perde o fôlego, nem mesmo quando dança o 'samba de Angola'. (...)
Quem fôr à Bahia não deve perder o extraordinário espetáculo que é
mestre Pastinha no meio do salão jogando a capoeira, ao som do
berimbau. E quando ele (sic) não está lutando, não vai descansar.
Toma de um berimbau, puxa as cantigas. Para mim, Pastinha é uma
das grandes figuras da vida popular da Bahia. É indispensável
conhecê-lo, conversar com ele, ouvi-lo contar suas histórias, mas,
sobretudo, vê-lo na 'brincadeira', atingindo adversários". (AMADO,
1945: 211)
Apesar de Mestre Bimba ter sido o primeiro a fundar oficialmente uma academia de capoeira (1937), Mestre Pastinha foi o primeiro a fundar uma escola de capoeira (Centro Esportivo de Capoeira Angola,1941), a pensar na capoeira como um instrumento pedagógico, de alto teor filosófico, e é isso que transparece em seus manuscritos. Sua escolha pela comunidade da capoeira tradicional, que resistia à proliferação da capoeira moderna, da moda, a luta regional baiana, não foi apenas pelo seu conhecimento técnico e domínio corporal. Como Mestre Pastinha conta, ele estava afastado há quase 20 anos da prática sistemática e cotidiana da capoeiragem. A sua escolha para "mestrar" a capoeira tradicional baiana, que passou então a ser chamada de capoeira angola, foi pelo seu grau de mestria, pelo seu alto conhecimento espiritual e filosófico, pelo seu caráter de educador. E é assim que ele mesmo se define: "É o educador da capoeira tipo Angola originado pelos negros da velha África".
(PASTINHA)
O que lhe trouxe também muitos desafetos, ainda assim o mestre se manteve firme em seu propósito de manter uma Capoeira Angola de Raiz ate o fim de seus dias, mas falarmos dos “desafetos e polemicas” , bem como os desafios do mestre ....fica para uma próxima ocasião....Mas não podemos esquecer também que muitos daqueles que o criticaram depois passaram a agir da mesma forma, procurando mostrar algum intelecto com o objetivo de lucrar de alguma forma, o que perdura ate os dias de hoje , a semente plantada pelo Mestre Pastinha, seja na angola ou regional hoje o capoeira cada vez mais busca formação acadêmica, o que ao meu ver é extremamente necessário para o bom desenvolvimento de nossa arte luta cultural a Capoeira.
MESTRE CHUVISCO & PROF.RAILDA BARRETO