Capoeira Regional
O Jogo
O jogo Regional, se caracteriza por ser
jogado sob os toques da Capoeira Regional: São
Bento Grande Regional, Idalina, Banguela, Amazonas, Iúna, segundo os princípios
desenvolvidos pelo seu criador, Manoel dos Reis Machado, Mestre Bimba
(1900-1947); quando Bimba começou a sentir que a “Capoeira Angola”, que ele
praticava e ensinou por um bom tempo, tinha se modificado, degenerou-se e
passou a servir de “prato do dia” para “pseudo-capoeiristas”, que a utilizavam
unicamente para exibições em praças e, por possuir um número reduzido de
golpes, deixava muito a desejar, em termos de luta.
Aproveitou-se então do “Batuque” e da
“Angola” e criou o que ele chamou de “Capoeira Regional”, uma luta baiana.
Possuidor de grande inteligência,
exímio praticante da “Capoeira Angola” e muito íntimo dos golpes do “Batuque”(O
Batuque, é uma luta braba, violenta, onde o objetivo era jogar o adversário no
chão usando apenas as pernas) , intimidade esta adquirida com seu pai, um
mestre nesse esporte, foi fácil para Bimba, com seu gênio criativo, “descobrir
a Regional”.
Não basta ser rápido qualquer toque
para que se transforme em Regional o jogo. Tem regra. Tem jogo específico para
os toques específicos, tem fundamentos próprios. Jogo Regional pode ser de
fora, como também pode ser de dentro.
Pode ser alto ou baixo. Pode ser
jogado na manha do toque da Banguela, que o Mestre criou para acalmar os
ânimos. Mas tem que ser marcado, sincronizado no toque do berimbau único que
segura a roda e dá o ritmo do jogo. Não tem que disparar apressado que não
possa mais cantar. Pode ser manhoso também. Regional tem força, garra, ritmo e
muita ciência também.
As características principais
da Capoeira Regional são:
Exame de Admissão
Consistia de três exercícios básicos, cocorinha, queda de rins e
deslocamento ( ponte ), com a finalidade de verificar a flexibilidade, força e
equilíbrio do iniciante.
Em seguida a aula de coordenação onde o aluno aprendia a gingar
auxiliado pelo Mestre Bimba. Para ensinar a ginga, Mestre Bimba convidava o
aluno para o centro da sala e frente a frente pegava-o pelas mãos e ensinava
primeiramente os movimentos das pernas e a colocação exata dos pés, e em
seguida realizava o movimento completo em coordenação com os braços. Este
momento era importantíssimo para o iniciante pois lhe transmitia coragem e
segurança. Acordeon Ex-aluno do Mestre poeticamente diz ” … ELE ERA FORTE NA
ALMA TINHA UMA FACA NO OLHAR QUE CORTAVA A GENTE DE CIMA A BAIXO QUANDO ESTAVA
A ENSINAR…”.
Seqüência de
Ensino de Mestre Bimba
O Mestre criou o primeiro método de ensino da capoeira, que
consta de uma seqüência lógica de movimentos de ataque, defesa e contra-ataque,
podendo ser ministrada para os iniciantes na forma simplificada, o que permite
que os alunos aprendam jogando com uma forte motivação e segurança.
Jair Moura, Ex-aluno explica ” esta seqüência é uma série de
exercícios físicos completos e organizados em um número de lições práticas e
eficientes, a fim de que o principiante em Capoeira, dentro de um menor espaço
de tempo possível, se convença do valor da luta, como um sistema de ataque e
defesa “.
A seqüência original completa de ensino é formada com 17 golpes,
onde cada aluno executa 154 movimentos e a dupla 308, o que desenvolve
sobremaneira o condicionamento físico e a habilidade motora específica dos
praticantes.
Os golpes integrantes da Seqüência são:
Aú |
Armada |
Arrastão |
Bênção |
Cocorinha |
Cabeçada |
Godeme |
Galopante |
Giro |
Joelhada |
Martelo |
Meia Lua de Compasso |
Queixada |
Negativa |
Palma |
Meia Lua de Frente |
Rolê |
|
1ª Sequência
Jogador
1 – Meia-lua de frente, meia lua de
frente, bênção e aú de rolê.
Jogador 2 – Cocorinha, cocorinha, negativa e cabeçada.
2ª Sequência
Jogador
1 – 2 Martelos, cocorinha, benção e
aú de rolê.
Jogador 2 – 2 Rasteiras, armada, negativa e cabeçada.
3ª Sequência
Jogador
1 – Queixada, queixada, cocorinha, bênção e
aú de rolê.
Jogador 2 – Cocorinha, cocorinha, armada, negativa e cabeçada.
4ª Sequência
Jogador
1 – Godeme, godeme, arrastão e aú de
rolê.
Jogador 2 – 2 parada de godeme, galopante, negativa e cabeçada.
5ª Sequência
Jogador 1 – Arpão de cabeça,
joelhada e aú de rolê.
Jogador 2 – Cabeçada, negativa e cabeçada.
6ª Sequência
Jogador 1 – Meia-lua de compasso,
cocorinha, joelhada lateral, aú de rolê.
Jogador 2 – Cocorinha, meia-lua de compasso, negativa e cabeçada.
7ª Sequência
Jogador 1 – Armada, cocorinha,
benção, aú de rolê.
Jogador 2 – Cocorinha, armada, negativa e cabeçada.
8ª Sequência
Jogador 1 – Bênção e aú de rolê.
Jogador 2 – Negativa e cabeçada.
Cintura Desprezada é uma seqüência de golpes ligados e balões,
também conhecidos como Movimentos de Projeção da Capoeira, onde o capoeirista
projeta o companheiro, que deverá cair em pé ou agachado jamais sentado. Tem o
objetivo de desenvolver a auto-confiança, o senso de cooperação,
responsabilidade, agilidade e destreza.
Os golpes que fazem parte desta
seqüência são:
CINTURA
DESPREZADA |
|
Aú |
Balão
de Lado |
Tesoura
de costas |
Balão
Cinturado |
Apanhada |
Gravata
Alta |
Batizado
Momento
em que o iniciante jogava pela primeira vez na roda com o acompanhamento de
instrumentos. No batizado, o mestre escolhia o formando que jogaria com o
calouro e então tocava “São Bento Grande”, toque que caracterizava a capoeira
regional.
Para
isso o calouro era colocado no centro da roda, onde o mestre escolhia um
apelido a ele. Depois de definido o “nome de guerra” o mestre mandava o calouro
pedir a “Benção” do padrinho, que ao estender a mão recebia uma Benção que o
jogaria no chão.
Formatura
A
cerimônia iniciava com uma roda de formados antigos para que as madrinhas e os
convidados pudessem ver o que era a Capoeira Regional. Mestre Bimba ficava ao
lado do som, que era formado por 1 Berimbau e 2 pandeiros, comandando a roda e
cantando as músicas características da Regional.
Terminada
a roda, o mestre chamava o orador que geralmente era um formado mais antigo
para falar um breve histórico da Capoeira Regional e do mestre.
Após
o histórico, o mestre entregava as medalhas aos paraninfos e os lenços azuis
(Graduação dos Formados) as madrinhas. Os paraninfos colocavam a medalha ao
lado esquerdo do peito do Formado e as madrinhas colocavam os lenços nos
pescoços dos seus respectivos afilhados.
A
partir dai os formados demonstravam alguns movimentos a pedido do mestre para
mostrar a sua competência, incluindo os movimentos de “cintura desprezada”,
“jogo de floreio” e o “escrete” que era o jogo combinado com o uso dos Balões.
Para
terminar, chegava a hora do “Tira-medalha” onde o recém formado jogava com um formado
antigo que tentava tirar a sua medalha com qualquer golpe aplicado com o pé. Só
então depois de passar por isso tudo é que o aluno poderia se considerar aluno
formado de mestre Bimba, tendo direito até de jogar na roda quando o mestre
estivesse tocando Iuna que era o toque criado por ele para esse fim. A partir
dai só restava o curso de especialização que veremos a seguir.
Especialização
Tinha
duração de 3 meses, sendo 2 na academia e 1 nas matas da Chapada do Rio
Vermelho. Tratava-se de um treinamento de guerrilha, onde aconteciam as
emboscadas, armadilhas e etc. , que consistia em submeter o formado a situações
das mais difíceis, desde defender-se de 3 ou mais Capoeiristas, até defender-se
de armas.
Terminado
o curso, o mestre fazia a mesma festa para os novos especializados, e estes
recebiam o lenço vermelho que representava a nova graduação. O aluno que se
formava ou se especializava, tinha a obrigação de pendurar um quadro com a foto
mestre, do padrinho, do orador, e a própria foto.
Fonte:
capoeira_regional.vilabol.uol.com.br
Capoeira Regional
Graduação da Capoeira Regional
A Capoeira Regional segue o sistema de
graduação do aluno como em outros esportes, a exemplo do Karatê, Judô, que
usamos as faixas coloridas como o laranja, marrom, roxo e preto.
A
capoeira também recebeu esta influência, que originou os cordões.
Só que a capoeira Regional dar seguimento a
preferência e pela combinação das cores da bandeira brasileira, criada pela
Confederação Brasileira de Capoeira (CBC), que vai do 1° ano ao 5° estágio e de
aluno formado a mestre.
Seguindo a ordem das
cores: Verde, Amarelo, Azul, Verde-Amarelo, Banco-Azul e por último
Branco.
Hoje
temos observado que existe uma grande preocupação por parte do aluno em trocar
logo de cordão, esquecendo a parte mais importante do esporte, o conhecimento,
os valores dos golpes de defesa e ataque, ter consciência da importância de
praticar o esporte, entender a filosofia, ter a convicção e a vocação do que
realmente deseja, para exerce-lo com equilíbrio e disciplina.
Não
adianta receber cordão e não saber onra-los, em outras palavras, não ser digno
e nem ser capacitado, não ter competência. Não só em nível do esporte capoeira,
mas como em qualquer outra modalidade do esporte.
Adriano Vitorazzi
Fonte:
www.mpalmares.jex.com.br
Capoeira Regional
A Capoeira Regional é uma manifestação da
cultura baiana, que foi criada em 1928 por Manoel dos Reis Machado ( Mestre
Bimba ). Bimba utilizou os seus conhecimentos da Capoeira Angola e do Batuque
(espécie de luta-livre comum na Bahia do século XIX) para criar este novo
estilo.
Para
fugir de qualquer pista que lembrasse a origem marginalizada da capoeira, mudou
alguns movimentos, eliminou a malícia da postura do capoeirista, colocando-o em
pé, criou um código de ética rígido, que exigia até higiene, estabeleceu um
uniforme branco e se meteu até na vida dos alunos.
As características principais
da Capoeira Regional são:
1. Exame de Admissão
Consistia
de três exercícios básicos, cocorinha, queda de rins e deslocamento (ponte),
com a finalidade de verificar a flexibilidade, força e equilíbrio do iniciante.
Em seguida a aula de coordenação onde o aluno aprendia a gingar auxiliado pelo
Mestre Bimba.
Para
ensinar a ginga, Mestre Bimba convidava o aluno para o centro da sala e frente
a frente pegava-o pelas mãos e ensinava primeiramente os movimentos das pernas
e a colocação exata dos pés, e em seguida realizava o movimento completo em
coordenação com os braços. Este momento era importantíssimo para o iniciante
pois lhe transmitia coragem e segurança.
2. Seqüência de Ensino de
Mestre Bimba
O Mestre criou o primeiro
método de ensino da capoeira, que consta de uma seqüência lógica de movimentos
de ataque, defesa e contra-ataque, podendo ser ministrada para os iniciantes na
forma simplificada, o que permite que os alunos aprendam jogando com uma forte
motivação e segurança. Jair Moura, Ex-aluno explica: “Esta seqüência é uma
série de exercícios físicos completos e organizados em um número de lições
práticas e eficientes, a fim de que o principiante em Capoeira, dentro de um
menor espaço de tempo possível, se convença do valor da luta, como um sistema
de ataque e defesa”.
A
seqüência original completa de ensino é formada com 17 golpes, onde cada aluno
executa 154 movimentos e a dupla 308, o que desenvolve sobremaneira o
condicionamento físico e a habilidade motora específica dos praticantes.
Os golpes integrantes da
seqüência são:
Aú
Armada Arrastão Bênção Cocorinha Cabeçada Godeme Galopante Giro Joelhada
Martelo Meia Lua de Compasso Queixada Negativa Palma Meia Lua de Frente Role
3. Cintura Desprezada
É
uma seqüência de golpes ligados e balões, também conhecidos como Movimentos de
Projeção da Capoeira, onde o capoeirista projeta o companheiro, que deverá cair
em pé ou agachado jamais sentado. Tem o objetivo de desenvolver a
autoconfiança, o senso de cooperação, responsabilidade, agilidade e destreza.
Os golpe que fazem parte desta
seqüência são: Aú Balão de lado Tesoura de costas Balão cinturado Apanhada
Gravata alta
4 – Batizado
É um momento de grande
significado para o aluno, pois encontra-se apto para jogar pela primeira vez na
roda. Itapoan, Ex-aluno retrata o Batizado da seguinte maneira: “O Batizado consistia em
colocar em cada calouro um nome de guerra.
O
tipo físico, o bairro onde morava, a profissão, o modo de se vestir, atitudes,
um dom artístico qualquer, serviam de subsídios para o apelido”. Fred Abreu
referindo-se ao batizado, cita que na intimidade da Academia de Mestre Bimba
ele assim se dizia “Você hoje vai entrar no aço”. Desta maneira o Mestre
avisava ao calouro que chegou a hora do seu batizado, era um momento de grande
emoção, pois tratava-se de jogar capoeira pela primeira vez na roda amimada
pelo berimbau.
Para
este jogo era escolhido um formado ou um aluno mais velho da Academia que
estivesse na aula, que como padrinho incentivava ao afilhado a jogar, e após o
jogo o Mestre no centro da roda levantava a mão do aluno e então era dado um
apelido com o qual passaria a ser conhecido na capoeira.
5 – Esquenta Banho
Segundo
Itapoan o “esquenta banho” originou-se da necessidade dos alunos de se manterem
aquecidos. Logo após o termino da aula todos os praticantes corriam para o
banheiro afim de tomarem uma chuveirada, no entanto o banheiro da academia era
pequeno com um só chuveiro com água fina, o que proporcionava um
congestionamento e a inevitável fila.
Para
não esfriar o corpo, os alunos mais velhos, normalmente os formados tomavam a
iniciativa e começava o “Esquenta Banho”. Este era um momento fértil da aula,
pois se tratava do espaço do aluno, também chamado de “Bumba Meu Boi” ou “Arranca
Rabo” devido aos freqüentes desafios para o acerto de contas, como exemplo,
descontar um golpe tomado durante a roda. Muitos formados aproveitavam para
testar suas capacidades desafiando dois, três, ou mais adversários.
Também era muito comum o utilizar
esse momento para o treinamento de golpes difíceis e sofisticados como: vingativa, rasteira,
banda de costa e etc.
Formatura: A formatura era um dia todo
espacial para o Mestre e seu alunos, um ritual com direito a paraninfo, orador,
e madrinha, lenço de seda azul e medalha. A festa era realizada no Sítio
Caruano no Nordeste de Amaralina na presença dos convidados e de toda a
academia.
Os
formando vestidos todo de branco, usando basqueteira, atendiam o chamado do
Mestre Bimba que solicitava a demonstração de golpes, seqüência, cintura
desprezada, jogo de esquente (jogo combinado), em seguida a prova de fogo, o
jogo com os formados, também chamado de “Tira Medalha”, um verdadeiro desafio,
onde os alunos formados antigos tentavam tirar a medalha dos formados com o pé,
e assim manchar a dignidade e roupa impecavelmente branca. Itapoan descreve com
muita propriedade, “O objetivo do formado antigo era tirar com um golpe
aplicado com o pé, a Medalha do peito do formando, caso isso acontecesse, o
aluno deixava de formar, o que era um vexame!”.
Por
isso o aluno jogava com todos os seus recursos, enfrentando um capoeirista
malicioso e técnico até o momento que o Mestre apitasse para encerrar o jogo.
Aí, o formando conferia se a medalha continuava presa ao peito, que alivio
estava formado! Dando continuidade ao ritual de formatura acontecia as
apresentações de maculelê, Samba de Roda, Samba Duro e Candomblé.
7. Iuna
A
Iuna é uma marca registrada da Capoeira Regional de Mestre Bimba, é um toque de
berimbau criado pelo Mestre, que era tocado no final das aulas ou em eventos
especiais, uma toque onde só os alunos formados tinham acesso a roda, com a
obrigatoriedade de realizar um “jogo de floreio”, bonito, criativo, curtido,
malicioso e que deveria ter movimentos de projeção. Este jogo suscitava muita
admiração e emoção.
8. Curso de Especialização
Este
era um curso secreto onde só poderia participar os alunos formados por Mestre
Bimba.
Tinha como objetivo o
aprimoramento da capoeira, com uma ênfase para os ensinamentos de defesa e
contra-ataque de golpes advindos de um adversário portando armas como: navalha, faca,
canivete, porrete, facão e até armas de fogo. Sua duração era de três meses
divididos em dois módulos, o primeiro com a duração de sessenta dias e era
desenvolvido dentro da academia através de uma estratégia de ensino muito
peculiar do Mestre.
O
segundo com duração de 30 dias e era realizada na Chapada do Rio Vermelho,
tinha como conteúdo as “emboscadas”, a qual Itapoan assim se refere “Uma
verdadeira guerra, verdadeiro treinamento de guerrilha. Bimba colocava quatro a
cinco alunos para pegar um de emboscada.
O
aluno que tivesse sozinho, tinha que lutar até quando pudesse e depois correr,
saber correr, correr para o lugar certo”. Ao final do curso o Mestre Bimba
fazia uma festa aos moldes da formatura e entregava aos concluintes um “Lenço
Vermelho” que correspondia a uma titulação de Graduação dos Formandos
Especializados.
9. MúsicasPodemos dividir em
duas partes
A
primeira referente aos toques de Berimbau, São Bento Grande, Santa Maria,
Banguela, Amazonas, Cavalaria, Idalina e Iúna. A rigor cada toque tem um
significado e representa um estilo de jogo. São Bento Grande é um toque que tem
ritmo agressivo, indica um jogo alto com golpes aprimorados e bem objetivos, um
“jogo duro”.
A
Banguela é um toque que chama para um jogo compassado, curtido, malicioso e
floreado. Cavalaria é o toque de aviso, chama a atenção dos capoeiristas que
chegou estranhos na roda, outrora avisava da aproximação de policiais. Iúna é
um toque especial para os alunos formados por Mestre Bimba, incita um jogo
amistoso, curtido, malicioso e com a obrigatoriedade do esquente. Santa Maria,
Amazonas e Idalina são toques de apresentação. A segunda eferência é sobre as
musicas – quadras e corrido.
As
quadras são pequenas ladainhas com versos composto de 4 a 6 linhas. O corrido
são cantigas com frases curtas que é repetido pelo coro. Plasticamente a
Capoeira Regional é identificada pêlos golpes bem definidos, pernas esticadas,
movimentos amplos, jogo alto e objetivo.
Fonte:
360graus.terra.com.br
Capoeira Regional
“CAPOEIRA – ANGOLA, REGIONAL ou CONTEMPORÂNEA”
“Melhor
para chegar a nada é descobrir a verdade!”
Introdução
Nesta
entrada de milênio, o universo da Capoeira se expandiu apresentando faces muito
diferentes das que apresentou nos últimos séculos.
Num primeiro contato se
encontram dois ícones e dois estilos: Mestre Pastinha e a Capoeira Angola e
Mestre Bimba com a Capoeira Regional. Mas, atualmente, no ambiente da Capoeira,
rico em diversidades, há uma confusão semântica na origem, no desenvolvimento e
na complexidade de formas de capoeiragem existentes. Este texto procura colocar
um pouco de ‘lenha na fogueira’ nas definições. E se propõe a uma nova forma de
ver as capoeiras.
Se
há menos de 100 anos a Capoeira estava no código penal brasileiro,inclusive com
presídio em Fernando de Noronha, para onde eram enviados os capoeiristas
presos, hoje em dia possui a fama de único esporte genuinamente brasileiro,
presente em muitos países, buscando se tornar esporte olímpico.
Chegamos
à virada do século com um “Curso Superior Profissional Específico em Capoeira”
na Universidade Gama Filho, no Rio, e temos um número de capoeiristas em
atividade como nunca houve na história. Por outro lado, uma minoria destes
capoeiristas fazem Angola ou Regional enquanto quase a totalidade não faz
nenhum destes estilos. Outros acham que fazem os dois…
Na
sociedade capitalista globalizada temos que tomar muito cuidado com os
conceitos.
São várias as formas de
expressão do poder e autoritarismo que geram sempre o mesmo resultado: exploração do homem
pelo homem e desigualdade social, enfim, a destruição da vida. A história
humana é escrita pelos vencedores e sempre interpretada buscando mostrar
mudanças através das evoluções técnicas e tecnológicas, que são utilizadas para
escrever as “páginas da desumanidade”, onde há pouca evolução social e
política.
São
várias as formas dessa ‘ilusão da evolução’, seja pela estrutura hierarquizada
desvendada por Etienne de La Boétie, no século XVI no “Discurso da Servidão
Voluntária”, passando por Wilhelm Reich mostrando como isso é feito na educação
e, principalmente, nas famílias, e em “A Sociedade do Espetáculo” de Guy
Debord, onde, alienados, aceitamos o espetáculo do cotidiano.
Mostrada
também atualmente nas denúncias do maior intelectual vivo, Noam Chomsky, que
aponta um ‘consenso fabricado’ mantido pela mídia e pela sociedade de consumo.
A
Soma, terapia criada por Roberto Freire, por sua vez, vem há quase quarenta
anos desafiando os conceitos. Depois de uma pesquisa coletiva e individual
dentro da Soma, por mais de dez anos estudando a Capoeira como instrumento científico
de libertação, observei visões práticas diferentes.
Para
melhor entendimento da minha linha de pesquisa, este texto aborda um dos vários
pontos que pretendo aprofundar em livro, que estou escrevendo e pretendo
publicar ainda este ano. Assim, me reservo agora somente introduzir e
questionar os estilos de Capoeira.
Vários
pontos geram confusões na Capoeira, como o conceito de mestre e a ideologia por
trás de conclusões históricas. Mestre pode ser um título, um certificado em
papel ou um reconhecimento por um outro Mestre. Pode ser também o ato
pedagógico de ensinar; qualquer um, à medida que ensine algo novo a outra
pessoa, é mestre. E ainda há o reconhecimento pela comunidade, por méritos e
experiência vivida (geralmente pessoas mais velhas se tornam mestres assim).
Mestre
aparece na roda, no ritmo, no canto, no jogo e na liderança através dos
diálogos da Angola. Mestre expõe seu comportamento na Roda de Capoeira, alguns
também são mestres na roda da vida.
Em
pesquisa de 1997, escolhi o termo ARTE (os termos ‘folclore’ e ‘esporte’ são
mais rígidos, pois sofrem menos mudanças no decorrer do tempo) para conceituar
a Capoeira. Coletei os termos Angola, Regional, ‘Contemporânea’, Atual e de
Rua, mas não aprofundei suas diferenças.
Os três estilos que atualmente
vejo vivos e distintos entre si, são:
Capoeira Angola,
Capoeira Regional,
Capoeira ‘Contemporânea’ (para evitar confusões escolhi ‘Contemporânea’
para substituir o termo ‘angola-e-regional’, quando o capoeira se diz
praticante dos dois estilos anteriores).
Mas fica o alerta: Com a arte da Capoeira
Angola em movimento, este texto, em poucos anos (ou décadas), ficará
ultrapassado.
Sendo Arte, a Capoeira se
modifica e preserva em sua própria estrutura o conceito mais arcaico e Bantu de
movimento: “Para os Bantu, especialmente os Congo, viver é um
processo emocional, de movimento. Viver é movimentar, e movimento é aprender”.
O
movimento básico no jogo da Capoeira, a ginga (“um andar sem sair do lugar…”),
é uma homenagem à guerreira e rainha africana N’Zinga N’Bandi (1582-1663/1680,
ou D. Ana de Sousa, nome de batismo na religião católica), que lutou por mais
de quarenta anos contra a colonização e a escravidão no Congo e em Angola. A
Capoeira adotou o local de sua luta para nomear-se e homenageou seu movimento
corporal básico inspirado na mulher que movimentou sua sociedade,
politicamente, de baixo para cima.
O
termo Angola vem de N’Gola N’Bandi que foi um rei que resistiu por várias vezes
a expedições dos colonizadores portugueses, contra-atacando os vitoriosamente.
Quando em 1558, os povos nômades invadiram e destruíram o sul do reino de
Congo, os reinos de N’Dongo e Matamba; um dos chefes, N’Gola N’Zinga doou a seu
filho N’Gola N’Bandi o reino de N’Dongo, passando este a designar o nome do
reino conquistado (N’Gola: Angola).
Somos
em grande parte descendentes dos angolanos, e a vinda de escravos que eram reis
e conhecedores profundos da cultura negra, se por um lado enriqueceu a cultura
brasileira, favoreceu a atual miséria do povo africano. Somos assim responsáveis
pela destruição da África, foi o início da globalização econômica, iniciada
neste período do tráfico colonial com apoio da igreja católica, e que continua
sua destruição até hoje.
Os
locais de manifestação da Capoeira são sempre variados. Vão de recintos
fechados às ruas, assim a categorização proposta por mim se baseará não no
local e sim em como é realizada a RODA de Capoeira, seu ritual, ritmo, relação
de movimentos de ataque e defesa, cantos e energia.
Não
querendo fechar conceitos, e sim questioná-los e abri-los ao diálogo, trago
apenas alguns aspectos históricos e outros atuais, nos quais se poderão
perceber estilos que se respeitam, mas que ocupam espaços distintos. Assim
torna-se necessário desvendar aspectos mínimos de distinção entre capoeiras, já
separadas numa realidade múltipla.
A história da Capoeira Angola é
a história da marginalidade brasileira, com conflitos étnicos, econômicos e
sexuais que se preservam ainda hoje em uma sociedade das mais paradoxais: riqueza de bens de
produção e consumo, riqueza ambiental e a riqueza da miscigenação étnica e
cultural em contraste com uma pobreza social, absurdamente aceita.
Origens da Capoeira Angola
Tudo
começa na mãe África, continente originário dos primeiros homens que se
espalharam pelo mundo, gerando todos os povos. O tráfico de escravos através do
Atlântico foi um dos grandes empreendimentos comerciais e culturais que
marcaram a formação do mundo moderno e a criação de um sistema econômico
mundial (início da globalização). A participação brasileira nesta trágica
aventura é estimada em 40% dos 15 milhões ou mais de homens e mulheres
arrancados de suas terras. Pesquisas variam quanto à interpretação da
ancestralidade africana da Capoeira.
Sem querer definir uma verdade,
mas tentando levantar possibilidades, trago três versões da origem da
Capoeira:
Nas pesquisas do Grupo de Capoeira Angola Pelourinho (GCAP),
Mestre Moraes acredita “ser a Capoeira de origem africana, mais precisamente da
Ilha de Lubango, na aldeia dos MUCOPES, localizada no sul de Angola. (…) Na
época do acasalamento das zebras, os machos, a fim de ganharem a atenção das
fêmeas, travavam violento combate. Daí os jovens guerreiros mucopes passarem a
imitar alguns passos desse ritual, que denominaram de N’GOLO. Os habitantes
dessa aldeia realizavam uma vez por ano uma grande festa com o nome de
EFUNDULA, ocasião em que as meninas que já tinham atingido a puberdade e,
estando assim prontas para o casamento, teriam como marido aquele guerreiro que
tivesse a melhor performance na prática do N’GOLO”. Para a maior parte dos
angoleiros, como os Mestres João Pequeno e João Grande, deste ritual deriva a
Capoeira;
Nas pesquisas de Mestre Camisa do “ABADA-Capoeira”, “a Capoeira é fruto dessa
fusão de culturas, lutas e rituais africanos, no Brasil”. Como o N’GOLO, a
“BAÇULA”, ritual da Ilha do Cabo “(…) onde um derruba o outro através de
agarramento, balões, pegar as pernas para derrubar, pescoço, cintura, o
objetivo é derrubar o adversário (…) Eu acredito que os golpes de derrubar, de
desequilibrar na Capoeira, tenham vindo da Baçula. Tem também a ‘kabangula’,
que é uma luta de mão, que é um tipo de boxe com as mãos abertas. (…) Tem
também o ‘Umundiu’, que é um ritual, um jogo, que usa as mãos e os pés, e tem
também as danças acrobáticas”;
– Para Mestre Cobrinha Verde
(herdeiro de um dos maiores capoeiristas de todos os tempos, Besouro Mangangá),
“a Capoeira nasceu no Recôncavo, em Santo Amaro, criada pelos africanos que
viveram acorrentados para trabalharem nos engenhos. Na África, eles usavam uma
dança denominada de batuque. (…) Dessa dança é que foi construída a
capoeira.”;
Termino esta etapa das origens,
com Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha – 5/04/1889-13/11/1981): “…entre os mais antigos
mestres de Capoeira figura o nome de um português, José Alves, discípulo dos
africanos e que teria chefiado um grupo de capoeiristas na guerra dos Palmares.
A história da Capoeira se inicia com a vinda dos primeiros escravos africanos
para o Brasil” .
Onde a confusão aumenta…
Existe
uma névoa sobre a História da Capoeira, principalmente pela sua tradição oral e
marginal. Os aspectos históricos, quando sem contextualização e aprofundamento,
servem mais à confusão que ao esclarecimento. Uma informação ‘clássica’ sobre a
desinformação da capoeiragem é a queima dos registros da escravidão no Brasil,
por Ruy Barbosa, quando Ministro da Fazenda, em 15/12/1890. Esta informação,
publicada em livro e revistas, é acrescentada do que se diz que ele fez isso
para “apagar da memória brasileira essa lamentável instituição”.
Agora, quando contextualizamos
essa informação e a criticamos, ela passa a ter outras interpretações: seria queimando os
registros que se apagaria da memória a ‘lamentável’ escravidão? Penso que
somente aprenderemos com o passado, e não o repetiremos, se pudermos ter mais
informações. Esquecer os erros do passado é a melhor forma de repeti-los.
Além
do mais, a simples queima dos arquivos não faria esquecer a escravidão. Na
realidade, foi uma estratégia do governo para evitar que ex-proprietários de
escravos buscassem uma compensação dos prejuízos que tiveram com a abolição da
escravatura, dois anos antes.
Em
1998, com a publicação da primeira revista de distribuição nacional dedicada
somente à Capoeira, houve um crescimento de informações disponíveis ao grande
público. Logo em seguida, um ‘boom’ editorial com várias revistas ao mesmo
tempo, mas a maioria não durou muito. Nessas revistas, com erros de revisão e
de impressão, repetiam-se muito as informações, que se destinavam mais a
divulgar grupos e egos. Por outro lado, houve a possibilidade de se encontrar
muitas pesquisas sérias e aprofundadas.
A
importância da Capoeira na sociedade brasileira está sendo descoberta aos
poucos, mas nunca teremos uma visão real do que se passou na marginalidade. A
partir da década de 80 são inúmeras as peças de um quebra-cabeça que surgem em
estudos acadêmicos e de grupos independentes, que investigaram seriamente o
passado da Capoeira.
Como
já coloquei, o tema deste artigo é outro, mas para quem queira pesquisar, é
curioso como os capoeiristas famosos da nossa história, como Plácido de Abreu,
Duque Estrada, Barão do Rio Branco, entre tantos, são omitidos no ensino
brasileiro.
E
ainda há a importância dos capoeiristas brasileiros na Guerra do Paraguai,
inclusive sendo o capoeira Chico Diabo (Cabo Francisco Lacerda) quem matou o
presidente paraguaio Francisco Solano López em 1870, causando o fim da guerra.
Há
uma separação entre o que foi a Capoeira desde as suas origens até o momento em
que houve a cooptação pelo sistema dominante. Ela nasceu como uma arte de
libertação, ajudando o negro, e depois os marginais a manterem um elo com seu
passado.
Uma arte negra que no Brasil foi se fortalecendo com
contribuições variadas, inclusive dos indígenas, que apoiavam os negros em suas
fugas no mato. Pois é sabido que os quilombos
foram sociedades livres variadas: 70% da população dos oito principais quilombos eram negros,
sendo 25% de índios e 5% de brancos, todos refugiados. Houve também
contribuições dos portugueses Fadistas (cantores de Fado). Ágeis na luta
corporal e no manejo da navalha, os Fadistas viviam nas ruas de Lisboa e do
Porto no séc. XIX .
O
momento político de 1888-1889, ano da Abolição seguido pelo da Proclamação da
República, mostra como o Estado Brasileiro conseguiu mudar para se manter igual
na essência. A ‘revolução social e política’, chamada por Deodoro em sua
Proclamação de ‘revolução nacional’, não alterava a relação dominador versus
dominado (em cima x embaixo). “Eles administraram de tal maneira as mudanças no
modo de produção que os ex-escravos – assim como os contandini e os bracianti,
imigrados italianos que engrossaram então a classe subalterna – não tiveram,
por força da lei, naquele transe, garantias de acesso à posse ou à propriedade
da terra, ao trabalho e, muito menos, ao salário”.
Sabemos
que os primeiros decretos proibindo a Capoeira datam de 1814, seis anos após a
chegada da Família Imperial ao Brasil. Nesse período, a população brasileira
era de 3,6 milhões de habitantes, sendo 1,9 milhões (mais da metade) de
escravos.
A
partir de 1890, na República, a Capoeira entra no Código Penal. Assim, depois
de séculos de marginalidade, ela foi proibida oficialmente por mais de 120
anos. Temos menos de 70 anos de experiência de capoeiragem liberada.
Com
origem provável no século XVI e desenvolvimento múltiplo nos séculos XVII,
XVIII e XIX, a Capoeira sobreviveu a muitas mudanças. Não se constituindo de
uma unidade de forma e ritos, foi capaz de dialogar “com novos contextos,
adaptando-se no detalhe para conservar o essencial daquilo que a constituiu” .
Sem
dúvida, ela desenvolveu um potencial de luta que gerou as insurreições dos
escravos – particularmente nas províncias que constituíam a zona do Paraíba ou
grande zona do café, forçando a Lei Áurea. Aparecendo também como “defensora da
pátria” na Guerra da Cisplatina (1825-1828) e na Guerra do Paraguai
(1865-1870).
Utilizada
militarmente não só nas guerras, como nas eleições, por exemplo, em 1909, os
cabos eleitorais capoeiristas elegeram o deputado negro e monarquista Dr.
Monteiro Lopes, no Distrito Federal (RJ). No mesmo ano, estudantes cariocas
promovem a luta entre o capoeira Ciríaco Francisco da Silva e o lutador de
Jiu-jitsu Sada Miako.
Com
a vitória, Ciríaco tornou-se alvo de todas as atenções, inclusive sendo
destaque em revistas nacionais. Enquanto isso, na marginalidade, de 1902 a
1909, na ‘Escola de Aprendizes da Marinha’, Mestre Pastinha ensinava aos seus
colegas a arte aprendida com o africano Mestre Benedito.
Capoeira Regional
O
processo de mutação da Capoeira é muito antigo. Em 1874, Raul Pederneira
descreve na Gíria Carioca a primeira nomenclatura de movimentos e defende uma
“desesportivização” da Capoeira. No Rio de Janeiro, em 1907, um oficial militar
escreve o “O Guia do Capoeira ou Ginástica Brasileira”. Em 1928, o capoeirista
Annibal Burlamaqui, conhecido como Zuma, publica “Ginástica Nacional –
Capoeiragem – Metodizada e Regrada”.
Alguns
dizem que influenciou Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado, 1899/1900-1974),
que cria a Luta Regional Baiana, fundando sua academia em 1932 Mestre Nenel
discorda dizendo que M. Bimba já tinha sua metodologia sendo desenvolvida desde
1918. Mestre Decânio aponta a importância de Dr. José “Sisnando” Lima para a
fundação da Regional.
Numa
época em que a Capoeira era crime, Mestre Bimba a modifica, introduzindo novos
golpes e uma sistematização do ensino. Consegue, depois de anos de muito
esforço, a primeira autorização do Estado para a prática da Capoeira, em
9/7/1937, de um militar do Exército, o interventor federal do Estado Novo
(primeira ditadura brasileira no século passado) na Bahia, Juracy Magalhães.
Novas mudanças nessa
atribulada história de quase 400 anos: por estratégia militar de Getúlio
Vargas, acontece a cooptação da Capoeira, numa tentativa de controle e de
transformá-la em Educação Física e Esporte, dentro de seu projeto populista. Em
1934, Getúlio Vargas, interessado no voto feminino, dos analfabetos, dos
soldados, etc, extingue o decreto-lei que proibia a Capoeira e a prática de
cultos afro-brasileiros.
Mas,
por outro lado, obriga que tanto os cultos quanto à Capoeira sejam realizados
fora da rua, em recintos fechados, com um alvará de instalação. Novamente, o
que parece com ‘liberdade’ é, na verdade, ‘controle’. Tanto que no final da
década de 40 ainda havia a cavalaria da polícia impedindo a Capoeira na rua (e
o toque de cavalaria no berimbau, avisando os capoeiras…).
Interessante que nasce a
Capoeira Regional a partir da Angola, por estratégia, com outro nome: Luta Regional. Nesse
contexto, a Capoeira tradicional começa a ser chamada de Angola para uma melhor
diferenciação. Em 1953, o Presidente Getúlio
Vargas assiste a uma demonstração de Mestre Bimba e comenta sobre a
Capoeira: “a única colaboração autenticamente brasileira à educação
física, devendo ser considerada a nossa luta nacional”.
Com
o crescimento da Regional, que era freqüentada por estudantes e trabalhadores
com carteira assinada, a Angola continuou à margem da institucionalização até
23 de fevereiro de 1941, quando grandes mestres da época entregaram a Mestre
Pastinha a responsabilidade de preservar a arte da Angola. Assim nasce o Centro
Esportivo de Capoeira Angola (CECA), registrado somente em 1/10/1952. Em 1955,
instala-se no Largo do Pelourinho, Salvador, Bahia.
Apesar
da aparente rixa entre os estilos, havia um respeito mútuo. Tanto os alunos de
Mestre Bimba podiam freqüentar as rodas de Mestre Pastinha, como o contrário.
Todos eram bem recebidos, até porque os golpes criados por Mestre Bimba não
eram utilizados com alunos de outras escolas que não utilizassem o seu método.
Começou então uma aceitação da junção das capoeiras. Relata Mestre Canjiquinha, que foi contra-mestre de bateria de
Mestre Pastinha: “Não existe capoeira regional nem angola. Existe capoeira. (…)
Eu sou capoeirista. Não sou nem angoleiro nem regional. (…) Agora, capoeira é
de acordo com o toque. Se você está numa festa: se tocar bolero você
dança bolero; se tocar samba você dança samba; – a capoeira é conforme: tocando
maneiro você dança amarrado, tocando apressado você apressa.”.
Onde a confusão se espalha…
O Rio de Janeiro também possui uma rica história marginal da
Capoeira e uma rica influência das maltas de capoeiras ligadas à criminalidade
e à política, que formavam quase um exército paralelo. Mais tarde, porém, houve o enfraquecimento da Capoeira carioca e
uma “invenção da tradição” da Capoeira baiana.
Mestre Bimba leva seus alunos
para São Paulo em 1949 para competir em luta livre: das cinco lutas,
ganham três por nocaute. Mestre Bimba
também viaja apresentando a Regional: em 1955, em Fortaleza-CE (Teatro José de
Alencar); em 1956, no Rio de Janeiro (Maracanãzinho) e, em São Paulo
(inauguração da TV Record); e, em 1968, em Teófilo Otoni-MG. Mestre Pastinha e
o CECA viajam fazendo demonstrações em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do
Sul, Paraná, Minas Gerais e Recife.
Apesar
da existência de capoeiristas tradicionais no Rio, em 1964 começa um fenômeno
novo. Alunos com pouca experiência na Angola e na Regional se juntam e formam o
grupo carioca que viria a se chamar Senzala e a influenciar muito a Capoeira no
sul/sudeste do país, tanto pela descaracterização (afastamento de rituais
tradicionais), como pela incorporação de novas técnicas de ensino.
Em
São Paulo, através de pioneiros como Mestre Zé de Freitas (discípulo do maior
cantador de Capoeira Angola de todos os tempos, Mestre Waldemar da Paixão – BA)
e Mestre Valdemar Angoleiro, abriu-se espaço para a vinda, na década de 60, de
capoeiras que migram da Bahia buscando melhores condições de vida. Vieram
mestres angoleiros e regionaleiros.
Devido
à falta de tradição da Capoeira na capital paulista, para melhor sobrevivência
econômica desses mestres, há a necessidade de apoio mútuo. Mestre Suassuna, por
exemplo, ajudou muitos capoeiristas a se estruturarem. Este processo de
adaptação e sobrevivência é melhor exemplificado com a fundação, em 1967, da Academia
Cordão de Ouro, formada pelos mestres Brasília e Suassuna, o primeiro da
linhagem Angola de Mestre Canjiquinha e o segundo da linhagem Regional de
Mestre Bimba.
O que era impossível para
Mestre Pastinha e Mestre Bimba acontece: a fusão de estilos se torna
uma realidade.
Na
década de 50, a Capoeira chega a Belo Horizonte. Em 1963, Mestre Pastinha se
apresenta na Universidade Católica, mas somente na década de 70 é que crescem
as academias e a Capoeira se fortalece nas praças, sendo criada uma roda na
Praça Liberdade, onde o público se reunia para ver a ‘vadiagem’.
Por
causa desta roda, surgiu a famosa Feira Hippie, que se desenvolveu e virou um
marco na cidade (hoje está na Av. Afonso Pena), no entanto poucos falam dessa
origem ligada à Capoeira. Em Curitiba, em 1973, a Capoeira se implanta através
de Mestre Sergipe, depois que Mestre Eurípedes passou por lá no início da
década de 70.
Mestre
Sergipe foi contra-mestre do angoleiro Mestre Caiçara, mas, como Mestre
Brasília, também mudou de estilo. Em 1975, com a chegada de Mestre Burguês, a
Capoeira se espalha na cidade.
Ainda
seguindo a história do poder cooptando a Capoeira, em 1968 e 1969 (segunda
ditadura militar do século passado), a Comissão de Desportos da Aeronáutica
patrocina dois simpósios nacionais sobre Capoeira com o intuito principal de
estabelecer uma única nomenclatura para os golpes e defesas.
Entre
os vários mestres participantes estava Mestre Bimba, que se retira antes do
término do segundo simpósio por não aceitar que a Capoeira Regional se fundisse
com outras regras e ‘modismos’ (no primeiro simpósio ele enviou Mestre Decânio
para representá-lo).
Interessante
também que foram vários os capoeiristas que desejaram ter o mérito de Mestre
Bimba, criando estilos com nomes e características próprias como a Capoeira
Estilizada, a Muzenza, a Saramango, a Primitiva, a Barravento, etc. Mas nada
disso vingou além de seus grupos e descendências. A não ser a
criação coletiva da Capoeira ‘Angola-e-Regional’, que a meu ver, repito, não é
nem Angola nem Regional.
A
década de 70 é fundamental no encolhimento da Angola tradicional, resgatada por
Mestre Pastinha. Em 1971, ele é enganado e perde sua academia no
Largo do Pelourinho nº 19 e, em 1979, sofre derrame cerebral. Em 1981, morre
cego, na miséria e quase esquecido. Com a morte de Mestre Bimba em 1974, também
esquecido, enganado e na miséria, em Goiânia-GO, a Regional também perde sua
força e o seu mentor.
Em
1º de Abril de 1966, Mestre Pastinha se apresentou junto com outros mestres e
alunos na África, no I Festival Internacional de Arte Negra em Dakar, Senegal.
Na década de 70 ocorre a expansão da Capoeira para a Europa e E.U.A., mas só em
1989 o angoleiro Contramestre Rosalvo migra para a Europa, fundando em 1997 a
primeira academia européia de Capoeira Angola em Berlim, Alemanha.
Em
1972, a Capoeira é homologada pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) como
esporte e, em 1974, nasce a Federação Paulista de Capoeira. Em 1992, forma-se a
Confederação Brasileira de Capoeira e, finalmente, em 1993, a Associação
Brasileira de Capoeira Angola (ABCA). Assim, após milênios de ancestralidade
lúdica e poucos séculos de agressividade para a luta, a Capoeira, que
desenvolveu variações nas décadas de 20 a 50, com o nascimento da Regional e a
sobrevivência da Angola, finalmente se descriminaliza.
Consequentemente,
se elitiza. Nas décadas de 60 a 90, a fusão e a mutação das capoeiras fazem
surgir a ‘Contemporânea’, e, após breve enfraquecimento, renascem a Angola e a
Regional. Entramos no século XXI com um lado da Capoeira ligado à marginalidade
cultural e econômica, sendo a Roda de Capoeira um aprendizado de desobediência
civil para a vida (detalhes no livro).
Por
outro lado, num outro estilo, está cooptada, servindo ao sistema estático da estrutura
sócio-econômica que mantém as classes, as explorações e a escravidão (que
chamamos hoje de globalização ou neo-liberalismo), divertindo ou competindo nas
lutas de vale-tudo, ou ainda nas universidades e espaços militares, servindo ao
hierarquismo e ao comodismo.
Lembro
aqui as palavras de Mestre Lua ‘Rasta’ da Bahia, “… o capoeirista precisa se
respeitar…os mais jovens procurarem se interar do que é capoeira, do que é
liberdade, do que é militarismo; e a capoeira é anti-militar, a capoeira não
tem nada a ver com militarismo…”.
Uma
prática…
Quando
comecei a prática da capoeira em 1990, em Curitiba, as academias diziam fazer
Angola e Regional. Passei pela Muzenza do Mestre Burguês e, depois,
pelo Centro Paranaense de Capoeira do Mestre Sergipe. Somente no final de 1991,
vendo uma apresentação do GCAP no Rio de Janeiro, experimentei uma ‘rasteira’.
Como é que depois de dois anos aprendendo Angola, descobri a Angola ?
Quando
desejei aprender somente Angola no Paraná, os capoeiristas riam e diziam ser a
Capoeira Angola coisa de mulher, num sentido pejorativo e obviamente machista.
No Rio, Mestre Mano comenta que antigamente (antes de 1980) os regionais diziam
pisar na cabeça dos angoleiros nas rodas.
Na Capoeira “Contemporânea” há
um estereótipo da Angola dos angoleiros: muito lenta e no chão, sem a presença do
ritual. Mestre Moraes e o GCAP resgataram a Angola com seu conteúdo de luta e
com uma capacidade técnica de enfrentamento. O angoleiro podendo jogar Angola e
enfrentar a “Contemporânea” com igualdade, de baixo para cima, na fuga e no
contra-ataque, com negativas frente às positivas.
Na
década de 60, a inexperiência em Capoeira (início do Senzala), a necessidade de
sobrevivência, o apoio entre capoeiristas de estilos diferentes (Cordão de Ouro
e Senzala), o afastamento dos centros tradicionais (BA e RJ) e o desejo de
criação de estilos novos fazem a Capoeira sofrer novas transformações. Em 1971,
procurando resgatar alguns aspectos mais tradicionais, Mestre Almir das Areias,
dissidente do Cordão de Ouro, cria a Capitães da Areia, que junto com a
Cativeiro, questionam a Federação e sua proposta.
Grupos
importantes e vários outros mestres não cito, pois aqui procuro priorizar
apenas os mais próximos da pesquisa Soma-Iê versus Capoeira Angola. Em 1976,
Roberto Freire, intelectual que havia entrevistado Mestre Pastinha em 1966 para
a revista REALIDADE, começa a fazer Capoeira com Mestre Almir (que hoje chama
se Anand) e a estudá-la cientificamente em paralelo ao desenvolvimento da
Somaterapia.
Aqui
entra um parêntese para a importância do GCAP, o Grupo de Capoeira Angola
Pelourinho, formado na época por Mestre Moraes. Fundado em 1980 no Rio e
transferido em 1982 para a Bahia, teve uma importância indiscutível para a
retomada da Capoeira Angola. Deixou mestres no Rio de Janeiro e formou Mestre
Cobrinha Mansa na Bahia.
Valorizando os mestres antigos,
produzindo pesquisas, trouxe a energia tradicional da Roda de Capoeira a uma
nova posição: ritual, luta e movimento. No início da década 80, com a
Regional completando 50 anos e a Angola, 400, o contexto se modificou totalmente.
A Regional era predominante, mas se afastara dos preceitos do seu criador, e os
angoleiros, que não concordaram com a inevitável fusão das capoeiras, estavam
esquecidos e se afastando da sua prática. Mestre João Pequeno, principal
discípulo de Mestre Pastinha, começou a usar cordéis e batizados, influenciado
pelas mudanças da Capoeira.
A
Capoeira começou a se preservar e se restringir através de shows e espetáculos,
que associavam uma Capoeira acrobática com Maculelê (arte recuperada por Mestre
Popó, de Santo Amaro), Puxada de Rede, Roda de Samba e rituais de show criados
por Mestre Canjiquinha. Foi a forma de sobrevivência da Capoeira.
Mestre
João Grande, que migrou para Nova York (EUA) e hoje está recebendo vários
prêmios pela preservação da arte negra, tinha abandonado a Capoeira,
trabalhando como frentista em Salvador.
Graças
à insistência de Mestre Cobrinha e do GCAP, voltou à Capoeira em 1984. Em 1986,
o Mestre Nenel (filho de sangue de Mestre Bimba) resolve recuperar a Regional
original de seu pai, formando a Filhos de Bimba Escola de Capoeira, denunciando
como a ‘Contemporânea’ se afastou da Regional pura.
Em
1992, mudei para Belo Horizonte e entrei no Grupo Iúna de Capoeira Angola, com
os professores Primo, João e Wagner, que, hoje, dez anos depois, são
considerados Mestres. Devido a motivos pessoais, mensalmente viajava pelo sul e
sudeste, além de viagens de pesquisa para o nordeste do Brasil, podendo
perceber na prática (em rodas e treinos) as várias Capoeiras existentes na
década de 90.
Fiz
contato com vários capoeiristas, como, por exemplo, Nino Faísca de Olinda-PE,
que foi o capoeirista que formou o primeiro grupo somente de Angola em
Curitiba, e hoje se encontra na Alemanha como professor da Associação Angola
Dobrada de Capoeira Angola, coordenada por Mestre Rogério (que formou o Iúna).
Um texto de Alejandro Frigerio
publicado em 1989, “Capoeira: de arte negra a esporte branco”, foi uma referência para
quem se iniciasse nas diferenças das capoeiras. Vendo hoje as referências de
Frigerio, percebo que sua análise não foi entre Angola e Regional, mas sim
entre Angola e “Contemporânea”.
Frigerio
não encontrou a Regional pura, e, ainda hoje, essa dicotomia acontece. Quem faz
Capoeira, na maior parte dos grupos está aprendendo a Capoeira “Contemporânea”.
Aprende a ‘angola-e-regional’. A roda começa com um ritmo lento, a ‘angola’ e
logo depois, entra num ritmo mais rápido, a ‘regional’. Frigério comenta essa
diferença da ‘regional’ e da ‘atual’ em entrevistas relatadas.
Para
um pesquisador que, no decorrer de 1983 a 1987, pesquisou somente oito meses,
sua categorização teve pontos interessantes. Concordo com muito de sua
abordagem, mas discordo da “musica lenta” ser uma característica intrínseca da
Angola.
Porém
entendo que ele fez um grande trabalho, mesmo que o seu universo de pesquisa
tenha sido somente dois grupos de Capoeira Angola. A Angola, para mim, comporta
uma possibilidade variada de ritmos, do lento ao rápido, o que nem sempre vai
definir a movimentação dos jogadores. A música na Capoeira não é só um fundo
que define o ritmo, ela faz parte do próprio diálogo do jogo, e o jogador pode
‘quebrar as regras’ por desconhecimento ou ousadia.
Junto
com o processo de crescimento e “modernização” da Capoeira, quando ela começou
a migrar para todo o Brasil e para outros países, a “Contemporânea” se ampliou
de forma geométrica, ao mesmo tempo a Angola minguava junto com a Regional
original. Na década de 60, ambas se enfraquecem para quase morrerem na década
de 70.
Na
década de 80 se dá o renascimento da Angola através do GCAP e o renascimento da
Regional com os Filhos de Bimba e, na de 90, a definição dos estilos. Conflitos
entre grupos e mestres fazem os conceitos de mestria (títulos) e os conceitos
dos estilos serem relativizados. Cada grupo se define do seu jeito e a confusão
semântica faz parte das capoeiras nessa virada de milênio.
“Mestre
Pastinha morreu com 92 anos e dizia estar aprendendo a Angola. Como é possível
alguém saber os dois estilos?” Esta questão representa a filosofia que procura
definir limites para os estilos. A história nos mostrou como foi possível essa
fusão, mas o movimento da Capoeira se opera internamente de forma a recuperar
conceitos numa prática viva que é o ritual das rodas.
A
Regional segue os passos da Angola e ambas conseguem reviver e recuperar sua
unidade, deixando para a “Contemporânea” escrever sua história. A Angola se
volta para sua essência como movimento de baixo, provocando uma mudança de
posição que permanentemente questiona as outras capoeiras. Também questionando
permanentemente a si própria para estar em movimento. …considerações finais e
iniciais.
Em
1993 a pesquisa da Soma deu seus primeiros frutos.
Os somaterapeutas ligados a
Roberto Freire se aprofundam na Capoeira Angola montando um espaço destinado a
Angola de Mestre Pastinha e criando um dos primeiros espaços dedicados somente
a esta arte (inclusive, tendo conflitos com um capoeirista na sua inauguração)
em São Paulo: o Tesão – a casa da Soma, em Perdizes. Enquanto isso,
Mestre Almir das Areias cria seu projeto Soma-Capoeira, procurando juntar
Angola, Regional e outros estilos num só, o que nada tem a ver com a
Somaterapia, ou a proposta da Soma, que é exclusivamente viver a Angola.
Outro
ponto de confusão é a questão libertária, que é mal vista por muitos devido à
tentativa política da ‘esquerda’ e da ‘direita’ em confundi-la com bagunça ou
desordem. Através da denúncia do autoritarismo, o Anarquismo, como a Angola,
produz a permanente crítica às relações que produzem o movimento social.
Hoje,
o próprio Movimento Anarquista está contaminado de autoritarismo, e a Soma-Iê
procura lutar contra isso vivendo a Autogestão (ou melhor, em permanente busca
por ela). A luta pela Autogestão é a luta cotidiana contra a vivência do
autoritarismo. Nos estudos de grupos de Capoeira nos aproximamos da cultura
Bantú na descentralização do poder e no respeito à dignidade humana (não
confundir com cidadania – sempre conceitos em conflito…).
O
que está difícil na sociedade é a vivência da Autogestão e, principalmente, as
associações em macro escala, possíveis na teoria de “Do Princípio Federativo”,
de Pierre-Joseph Proudhon, mas raramente vividos na prática. Vivência que
acontece cotidianamente nos diálogos da roda de Capoeira Angola.
Os
aspectos técnicos retomados podem variar, mas como exemplificação da
terminologia vamos analisar a bateria das rodas. Mestre Pastinha mostrou que na
bateria o berimbau é indispensável. Com a retomada da Angola pelo GCAP, Mestre
Moraes a definiu com três berimbaus, dois pandeiros, atabaque, agogô e
reco-reco.
E
outros grupos como de M. João Pequeno e m. Curió já usava bateria similar na
época. Muitos grupos criaram essa bateria como ‘lei’ sem perceber que não é só
isso que definirá o estilo. A Regional de Mestre Bimba, que hoje atua com um
berimbau e dois pandeiros de couro, segundo Mestre Boca Rica, antes também
contava com um reco-reco.
A
entrada dos instrumentos é plural. O berimbau-de-barriga entrou na Capoeira
entre os séculos XIX e XX. Na vida social, o berimbau era usado por vendedores
ambulantes para chamar a atenção. Antes, no lugar do arame, era usado o
cipó-de-imbé e havia também o berimbau-de-boca. O nome ‘berimbau’ é de origem
portuguesa e espanhola e foi transferido para o arco-musical africano, que é um
dos instrumentos musicais mais antigos da humanidade.
A
entrada do atabaque se deu provavelmente no século XX, na institucionalização
da Capoeira. Apesar de constar na clássica ilustração de Johann Moritz Rugendas
(de 1830, considerado o mais antigo desenho do jogo de capoeira), o atabaque
não manteve uma continuidade histórica.
Inclusive,
há versões de que quem o introduziu recentemente foi Mestre Canjiquinha. Se no
Rio de Janeiro, na capital do Império, entrou a navalha, “a Bahia muito
contribuiu, na parte musical, introduzindo o pandeiro, o caxixi e o reco-reco,
em substituição às palmas; e o berimbau de barriga com corda de aço, com voz
mais sonora e muito mais recursos que o de boca” .
Só
para apresentar esta exemplificação da bateria, vi na década de 90 grupos
mudando e variando. Alguns, que usavam um berimbau, passaram a usar três
berimbaus. No aspecto aparente e superficial, passaram da Regional para a
Angola, mas no aspecto técnico da música, o tipo de toque, a afinação de cada
berimbau e a sua função na roda, eles simplificaram e enfraqueceram a proposta
da Angola, aumentando a descaracterização e a confusão.
Assim
procuro separar os aspectos OBJETIVOS, como cores de uniforme, bateria,
músicas, etc, dos aspectos SUBJETIVOS, as intenções e relações criadas que se
buscam na brincadeira de Angola. Sem uma entrega visceral (como abandonar a
tentativa de ter vários estilos hoje) não se conhecerá todo esse mistério
afro-brasileiro.
Podemos
ultrapassar a ‘objetividade-sem-parênteses’ das análises objetivas e trabalhar
a ‘objetividade-entre-parênteses’ na Capoeira.
A Soma-Iê quer movimentar os
conceitos, colocando todos como ‘observadores’: ação direta
produzindo trocas dentro da roda e fora dela. Cada um é quem vai optar entre
ilusão e percepção. A arte da Angola vai contra a alienação dominante. Hoje,
mesmo grupos de Angola que não mantiverem um contato com outros mestres
angoleiros podem no decorrer do tempo mudar de estilo. Pois a Angola, viva e em
movimento, é formada pelo conjunto dos praticantes e seus intercâmbios.
Como
fiz dois anos de ‘Contemporânea’ e dez anos de Angola pura não tenho
competência nenhuma para falar da Regional. Possuo somente algum conhecimento
teórico. Na Angola só terei alguma competência para nela começar a me expressar
com mais de quarenta anos de Capoeira. Não tenho pressa, pois ainda faltam
trinta anos para isso.
Sempre
que se tenta explicar as diferenças de estilos da Capoeira, o aspecto semântico
confunde muito. Pois só é possível entender a Capoeira através da experiência
pessoal e própria. Este texto é parte de uma pesquisa na qual pretendo mostrar
os efeitos poderosos que a Angola possui para a vida humana enquanto terapia,
liberação da criatividade, liberação energética, etc…
Uma
grande riqueza desse universo é sua diversidade. Neste aspecto, a Capoeira
imita a natureza em sua biodiversidade. Estamos a cada dia descobrindo
novidades, “movimento é vida”.
O
que pretendo com este texto é clarear um pouco a nomeação dos estilos, mas com
certeza dentro de cada estilo cada grupo possui suas diferenças. O que vejo na
Angola é como cada um consegue descobrir o seu jeito de se expressar, uma
verdadeira unidade na diversidade. Muito mais importante que os nomes é o que se
pratica, e, nesse aspecto, a Capoeira tem uma unidade. Pois posso dentro do meu
estilo me adaptar e jogar em rodas de outros estilos.
E é a partir desta prática que
pergunto com este texto: Qual é a sua? Cada um está escrevendo a sua história corporalmente
e procurando manter as capoeiras.
O que tenho visto são três
ambientes e a melhor síntese disso seria a duração de permanência de estilos:
CONTEMPORÂNEA é a capoeira mais
difundida. Aqui nesta categoria coloco todas as nomeações que tenham menos de
50 anos de existência. Aqui entra a MAIORIA DE GRUPOS E ACADEMIAS, com a
Capoeira sendo chamada de ‘Angola-e-Regional’, e as contemporâneas
‘regional-moderna’, ‘Soma-Capoeira’, Capoeira free-style (para luta Vale-tudo),
Hidro-Capoeira, Capoeira misturada com outras lutas (boxe, muay-thai, etc) e
ainda as que não querem abandonar seus títulos anteriores. Na década de 90,
tentaram e hoje ainda tentam se aproximar da Angola (o que está gerando
confusões, pois todos têm o direito de aprender o que quiser, mas nesta
categorização, estes angoleiros “contemporâneos” se diferem dos que jogam
EXCLUSIVAMENTE a Angola);
REGIONAL pura de Mestre Bimba,
que está sendo divulgada e recuperada, principalmente, por Mestre Nenel. Passou
por mudanças, tem em torno de 80 anos de existência;
ANGOLA pura, que possui Mestre
Pastinha como ícone maior, mas que comporta dentro do mesmo estilo variações
práticas e técnicas derivadas de 400 anos de existência e experimentação. Nessa
categoria, não se aceitam competições ou campeonatos, pois o melhor da roda não
pode ser medido, não existe. Cada um contribui com seu melhor para a roda e
isso potencializa a energia coletiva, que retorna para o indivíduo.
A
Soma-Iê se encontra dentro desta proposta com os grupos de terapia ligados aos
Coletivos Iê’s de SP, BH e Curitiba. Apesar de não ter um mestre nos
apadrinhando, buscamos a responsabilidade de não misturar ou deturpar sua
essência, permanentemente fazendo oficinas com mestres angoleiros. Uma fonte de
referência além do GCAP e suas derivações é a ABCA (Associação Brasileira de
Capoeira Angola), que possibilitou a volta de mestres que pararam por mais de
20 anos ou que modificaram seu estilo e agora voltaram à Angola. E inúmeros
angoleiros que se espalham pelo Mundo a fora, os já citados e outros como M.
Curió, Mestre Lua de Bobó, M. René, M. Roberval e M. Laércio, e sem
falar dos antigos capoeiristas como M. Antônio Diabo de Jequié.
Esta
categorização pode ser usada por grupos e rodas, mas é sobre o capoeira, o
capoeirista, que procuro definir. Pois se Mestre Bimba foi angoleiro e criou a
Regional, qualquer um pode mudar de estilo no decorrer do fluxo de sua vida.
Nem é sempre o título conseguido por um mestre angoleiro que definirá seu
estilo.
Mestre
João Pequeno, maior raiz viva da Angola, formou mestres em Minas Gerais que
nesta categorização não são angoleiros. Há também outros mestres antigos que
são angoleiros e foram criando alunos e mestres não-angoleiros (Mestres
Brasília e Sergipe, e outros inúmeros exemplos). A Capoeira é PRÁTICA e não
TEÓRICA. Se mestres tiveram formação angoleira ou regionaleira pura e não a
seguem, procuro enquadrar seu estilo em função da sua prática cotidiana, de seu
grupo e alunos.
Esta
categorização não é entre melhor e pior, simplesmente busco explicitar uma forma
de ver a Capoeira que desenvolvi nos últimos anos, na prática, na convivência e
na pesquisa. Apesar dos estilos terem treinos e rodas que definem o cotidiano
de seus praticantes, qualquer um pode participar de um outro estilo, desde que
respeite os rituais locais, o que mantém a possibilidade de chamarmos tudo isso
de CAPOEIRA. Acontecem muitos eventos onde se convidam mestres antigos, ora pra
valoriza-los, ora para tentar usar seus nomes, são tênues esses limites, e
secundários, desde que se respeitem estes mestres.
A
individualidade defendida por Mestre Pastinha (“cada um é cada um, ninguém luta
como eu”) é fundamental dentro do estilo Angola. No entanto, a infiltração da
militarização e da padronização pode ainda descaracterizar a Angola no contexto
atual de globalização econômica. Mesmo grupos que foram fundamentais no resgate
da Angola, ao insistirem em uma única padronização, podem enfraquecê-la. O
‘Cobra Mansa’ de Mestre Pastinha, Mestre João Pequeno é fundamental hoje, pois
além de ser o mais importante capoeirista vivo e em atividade, soube
experimentar e trazer de volta elementos ritualísticos da sua Angola.
Poucos
podem trazer em seu currículo mais de 71 anos de capoeiragem em quase 85 anos
de vida. Desejo críticas e sugestões para ir ‘movimentando’ minhas percepções
aqui apresentadas e poder retribuir em novos textos (as correções colocarei no
livro), procurando buscar mais ‘sinceridades’ que ‘verdades’. Nas últimas
décadas, com a existência de técnicas de vídeo, fotos e arquivos, há capoeiristas
tentando inventar (mentir) seu passado. Uma pergunta pode ser um desafio ou um
diálogo, na roda e na vida.
Dentro das capoeiras, eu
pergunto: Qual
é a sua?
Posso
definir o outro de fora e cada um pode se definir. Assim poderemos confrontar
conceitos. Querer definir o outro pode parecer autoritário, uma forma de me
defender (fechar), mas também pode fazer parte do meu direito libertário. O
autoritarismo também é móvel e está nas relações e não só em conceitos. Pois os
conceitos mostram a prática e esta é modificada cotidianamente, pelas relações
do indivíduo com seu meio. Eu sou angoleiro, sim sinhô… e pergunto ao Kamugerê,
qual é a sua?
“Para
ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições”
Manoel de Barros
Rui Takeguma Somaterapeuta criador da Soma-Iê, anarquista, fotógrafo e professor do Iê – Grupo Anarquista de Capoeira Angola de SP, participante da FACA (Federação Anarquista de Capoeira Angola)
Fonte:
www.ime.usp.br